Sólon

Sólon (Atenas, 638 a.C. – 558 a.C.)

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Um pilar que se manteve firme num tempestuoso conflito de interesses entre os ricos proprietários da velha Atenas e os miseráveis endividados que ferviam na vontade de buscar a própria compensação, Sólon não pendia para qualquer lado e por isso ambos os lados se seguravam na integridade de seu carácter. Ele buscou educar os atenienses a moderar as influências individualistas e comunitaristas (considere a experiência espartana) que moldava seus vizinhos, conciliando a criatividade individual e a energia unificadora da pólis. Assim, Sólon se mostra essencial para qualquer um que busque também ser um pilar no mundo moderno entre os interesses liberais individualistas e a macabra ideologia comunista. E a resposta não poderia ser outra do que uma profunda experiência religiosa: o pilar que enxergamos em seus atos não é mais do que um reflexo de sua fortaleza interior, fundada na certeza de que esta vida é de tribulações e a alegria verdadeira não é alcançada durante nossa curta e imprevisível estadia neste mundo.

Sólon, no entanto, teve o grande exemplo de seu pai que, enquanto muitos nobres endividavam os pobres a ponto de cobrar os filhos destes como pagamento, empobreceu fazendo caridade. Desgostoso de aceitar ajuda dos amigos, lançou-se no comércio em sua juventude, e nas viagens adquiriu experiência e conhecimentos. Em uma de suas viagens, mais velho, conheceu o famoso rei Croisos como narrado na famosa História de Heródoto. Croisos era um dos mais ricos reis de sua época, e convidou o famoso sábio ateniense para mostrar-lhe sua riqueza, a reação, porém, não foi bem o que o rei esperava. Sólon, a princípio, mostrou a admiração que Croisos previa, mas quando o rei perguntou ao sábio quem era, então, o homem mais feliz sobre a terra, Sólon respondeu-lhe com um simples cidadão grego. Croisos, surpreso, perguntou então quem seguiria este cidadão na lista, convicto que a resposta era ele próprio, mas recebeu apenas o nome de mais dois cidadãos comuns (ele, por sinal, foi reconhecido por sempre estimar igualmente ricos e pobres). Indignado, o rei perdeu o interesse em Sólon, mas este explicou que o Destino é imprevisível e pode sumir com nossas riquezas a qualquer dia e, portanto, um homem não pode se dizer feliz até o dia de sua morte. Croisos, prestes a ser queimado, lembraria dessas palavras e do “homem com o qual eu gostaria que todos os tiranos conversassem, mesmo pagando grande fortuna para isso” e isto salvou sua vida.

Noutra vez, conheceu Tales de Mileto e quis saber porque este não buscava ter um filho. Tales não lhe respondeu de primeira, antes fez um estranho dizer que Sólon tinha perdido um filho, deixando-o naturalmente abalado. Tales então o consolou e explicou que o relato era falso, mas era para evitar este tipo de dor que ele não se casava nem tinha filhos. Se Croisos era soberbo, Tales foi covarde. Ambos os sábios conheciam a imprevisibilidade do destino, mas se Tales se rendeu ao medo, Sólon sempre resistiu buscando exercer suas responsabilidades de qualquer forma. Perante o fracasso dos justos e a vitória dos injustos, ele se perguntava se aquilo que sua razão não entendia não seria justificada aos olhos da divindade: a sabedoria do livro de Jó. Ao invés de se tornar pessimista, Sólon aprendeu a valorizar os prazeres e não se interessar pelo poder e ele provará esse desinteresse.

Na sua época, Atenas vivia sob as duras leis de Draco e num complicado conflito político entre classes (o privilégio de classe baseado no sangue, em Atenas, só seria abolido totalmente algum tempo depois, com Clístenes) onde os pobres se viam obrigados a vender suas terras e, por vezes, e até seus seus filhos para pagar suas dívidas, quando não fugiam da cidade, e os nobres não faziam concessões. Alguns nobres se solidarizariam com a causa daqueles e eram capazes de liderar um movimento sangrento contra o restante da nobreza, mas Sólon adiou e suavizou a implantação desse tipo de tirania pois, seu carácter sendo admirado por todos, o poder de Atenas foi entregue a ele por ambos os lados. Ele, contrariando o conselho de amigos, não aceitou tomar as rédeas do governo, mas se responsabilizou por criar leis que considerasse mais justas e apropriadas para o momento, a começar por proibir a venda do próprio corpo, ou do filho, como pagamento de dívidas, além de abolir todas as dívidas vigentes no momento. Outras contribuições importantes foi a suavização das punições das leis draconianas, e uma distribuição do poder político entre as classes, cada uma obtendo um determinado espaço para agir em prol de sua cidade. Aliás, suas leis – também seus poemas e sua própria vida – tinha como objetivo principal ensinar o povo ateniense a viver em comunidade tendo compaixão para com o próximo, e que assim obteriam para si mesmos mais satisfações do que através de desonestidades. Os atos ímpios eram sempre compensados cedo ou tarde, se o culpado não pagasse por eles, seus entes queridos pagariam, assim ele apelava para que os atenienses tomassem consciência da responsabilidade por suas ações.

Sendo muito difícil apresentar a grandiosidade de Sólon sem uma análise mais profunda de seu tempo, recomendo que busquem ler a Paideia de Werner Jaeger, ou ainda o primeiro livro da História de Heródoto para sentirem as adversidades que Croisos teve que passar para entender a mensagem de Sólon. Menos fácil de encontrar, mas muito interessante, é o capítulo que Plutarco trata de Sólon em suas biografias.

E para quem quiser checar logo alguns dos fragmentos de seus poemas:

http://demonax.info/doku.php?id=text:solon_poems

(Imagem: Croisos e Sólon, de Johann Georg Plazer)

O Fundador do Brasil

O Fundador do Brasil (Apresentação)

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‘Honneur aux hommes d’esprit mais bonheur aux sots!’

O dia de hoje, aniversário de nossa nação e recém-saídos de um conturbado momento político, deve nos fazer refletir sobre a vida nacional do Brasil. Como nasceu? Como chegou à fase que o encontramos? Quais sonhos se perderam no caminho? Quais (e como) foram realizados? Como resgata-los? Se esquecemos essas questões, a pátria fica à deriva, sob o olhar interesseiro de abutres ou tubarões. Para tanto, faz-se necessário que busquemos nos grandes de nosso passado as soluções para os problemas que sempre nos atormentaram e busquemos levar seus planos à frente, pois muitos trabalham para que estes antigos sonhos sejam frustrados. É com a intenção de lembrar de uma dessas gloriosas figuras, que não só apresentou soluções razoáveis para os problemas de seu tempo (e que ainda persistem) mas que também fundou ele próprio nossa nação, que vos escrevo hoje. Trata-se, claro, de José Bonifácio de Andrada e Silva. Se não o maior brasileiro de todos os tempos, ao menos o primeiro gigante.

Naturalmente, como já indicado, ele merecerá mais de um post, sendo este apenas uma apresentação e um convite. Afinal, José Bonifácio, além de estadista, foi poeta, tradutor, soldado quando preciso e, como cientista, integrou a elite dos maiores pensadores de sua época. Foi um homem de notável erudição e escreveu diversos escritos dos assuntos mais diversos: Química, poesias, traduções de literatura clássica, catecismo, ensaio sobre o Antigo Testamento, Pesca de Baleias, etc… Mas nem de longe foi um “homem de escritório”, seu espírito sempre ativo e sua competência sem par fez com que desempenhasse diversas funções ao longo de sua vida, muitas vezes simultaneamente, mal sobrando-lhe tempo para exercê-las todas. Sua responsabilidade muitas vezes chegou a incomodar trabalhadores vadios e administradores soberbos pois buscava sempre a melhor forma de aproveitar as fábricas que supervisionava e, desbocado, não economizava criticar o que devia. Para tal ele tinha autoridade, posto que o mesmo fazia consigo mesmo: Aceitava tantas funções quanto podia exercer com competência; dava fins práticos aos conhecimentos que adquirira em suas excursões e estudos; e seus escritos geralmente não se resumiam a uma erudição enfadonha, mas traziam instruções (Melhorar o aproveitamento da pesca de baleia, ou melhor aproveitar o solo português, dar rudimentos de agricultura no catecismo, etc).

Com essa riqueza de espírito e de cultura, já é evidente que José Bonifácio se trata de um grande homem, mas ele ainda mostra riqueza de caráter. Bonifácio desde jovem tinha aversão à escravatura e refletia sobre como aboli-la sem criar convulsão social e sem abandonar o negro forro ao revés. Em 1883, Nabuco, nosso grande abolicionista, acreditava que se esses planos sobre a abolição tivessem vingado o Brasil estaria livre da escravidão há mais de meio século. Buscava dar justiça também aos índios, incluindo-os organicamente na sociedade, com catequese e bons exemplos (criticava as crueldades contra esse povo praticadas em nome de uma cristianização). Apesar de todos seus esforços para o bem da nação portuguesa e, com a necessidade da independência, para a brasileira, recusou títulos e honrarias como marquesados e a grã-cruz da Ordem do Cruzeiro, ambos oferecidos por D. Pedro I [aliás, mais títulos e honrarias humilhariam a Daenerys Targaryen, considerando todos os diplomas, sociedades e cargos que ocupou ao longo de sua vida]. Bonifácio ainda foi o autor outros planos que chegaram a ser realizados, como a mudança da capital para o interior (sem o distanciamento do povo), a criação de universidades e colégios, uma política de imigração, etc. Ele também tinha um interesse em uma reforma agrária que, sem cometer injustiças ou desrespeite a propriedade privada, distribuísse pequenas propriedades para balancear o poder dos oligarcas. O próprio sistema monárquico no Brasil, aliás, foi pensado como um poder de unificação nacional e com um equilíbrio de poderes. Bonifácio rejeitava o absolutismo, mas vivenciou a ‘República’ durante a Revolução Francesa e aprendeu a rejeita-la.

Mas que estes pormenores fiquem, por ora, guardados para contemplarmos algumas opiniões a respeito do nosso fundador:

“As odes de José Bonifácio são magníficas. As belezas da forma, a concisão e a força da frase, a elevação do estilo, tudo aí encanta e arrebata. ”
Machado de Assis, “O Passado, o Presente e o Futuro da Literatura”, A Marmota, 9 de abril de 1958. *

“Não há, não houve até hoje, brasileiro maior do que o Velho do Rossio [Bonifácio]. Ninguém nos representa melhor, nos nossos defeitos e nas nossas virtudes nacionais. Se esta pátria tem um fundador – na medida em que as nações podem ter fundadores – foi ele. Não foi só: mas entre os que a fundaram, nenhum foi maior do que ele”
“Sem esse José Bonifácio de Andrada e Silva, que gostava de rir em voz alta e dizer palavrão, que sabia a sério as coisas e queria máquinas e homens livres em vez de escravos e latim, o Brasil talvez hoje não fosse Brasil, mas uma porção de Províncias ultramarinas do nosso bem amado Portugal…”
Odylo Costa Filho, Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1972.

“Que nação moderna pode ufanar-se tanto, como deveria ufanar-se o Brasil, de ter tido como seu fundador figura tão completa na sua grandeza como José Bonifácio? Parece que nenhuma. […] Alguma coisa de goethiano, na sua personalidade de homem múltiplo, dá à sua grandeza de paulista que cedo se tornou pan-brasileiro uma dimensão transbrasileira.”
Gilberto Freire, “A Próposito de José Bonifácio”, Cultura, Brasília, 1972

Com um último adendo acrescento que Machado de Assis nos mostra como na sua época Bonifácio era lembrado na boca dos lavradores com entusiasmo patriota, muito diferente de hoje. Convido-vos então a fazer algo para mudar esse cenário e coloca-lo novamente, tanto quanto podemos, na boca dos filhos dessa nação, contribuindo para o projeto que pretende colocar nosso Fundador nas telonas: http://ofundadordobrasil.com.br/projects/segunda-fase/

*Estas e as próximas citações estão presentes no livro ‘José Bonifácio’ de Pedro Pereira da Silva Costa da coleção A vida dos grandes brasileiros.

Outras fontes:
Joaquim Nabuco, O Abolicionismo.

Ps. A imagem de capa pro artigo foi produzida especialmente para o projeto O Fundador do Brasil, acima citado.

Maria Quitéria, A Mulan Baiana

Maria Quitéria
(Feira de Santana, 27 de julho de 1792 — Salvador, 21 de agosto de 1853)

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Ontem (21/08) foi o aniversario de morte de Maria Quitéria, heroína de nossa independência. Morreu pobre, quase cega, no anonimato, mas integrando o nosso quadro de heróis da Pátria – hoje sujo com alguns nomes como Zumbi dos Palmares – por suas ações na defesa do território baiano. Sua história espelha a de personagens como Santa Joana D’Arc e Hua Mulan o que já justifica sua incorporação ao blog, mesmo tendo uma biografia relativamente curta.

Nascida numa família humilde, Maria Quitéria aprendeu na juventude a atirar e cavalgar, conhecimentos comuns para sua região e que ela aproveitará para defender a liberdade de sua pátria. Quando estava noiva, em 1822, as tropas portuguesas chegam a Salvador, desgostosas com as decisões de D. Pedro I, e ela pede ao pai para lutar pela independência. Como seu pai não permite, ela buscou a ajuda de sua meia-irmã e, com a ajuda do marido dela, cortou os cabelos, vestiu-se de homem e alistou-se. Foi enviada para o Batalhão dos Voluntários do Príncipe sob o comando do Major José Antônio da Silva Castro, este mesmo major [de quem tenho a honra de ser descendente] foi quem defendeu Maria Quitéria quando o pai desta a descobriu e a queria levar de volta para casa. Não tardaria para seu “batismo de fogo”.

Em 29 de outubro de 1822 lutou defendendo a Ilha de Maré, em Salvador. Desde então participou de muitas batalhas, um em particular lhe deu muito prestígio: O Combate da Pituba, em 1823, onde ela atacou as trincheiras inimigas e, sozinha, escoltou alguns prisioneiros ao acampamento. Outro combate famoso foi na foz do Paraguaçu, onde ela comandou um grupo de mulheres guerreiras e assim impediu o desembarque de reforços portugueses. Em 2 de Julho de 1823, graças a bravura desta e de muitos soldados, o exército brasileiro comemorava sua vitória, sua liberdade.

No dia 20 de Agosto, Maria Quitéria foi recebida no Rio de Janeiro pelo Imperador que lhe deu o título de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, mas perante essa glória que poucos homens, quanto mais mulheres, receberam e tendo inclusive sido promovida a Alferes, havia algo ainda que Quitéria precisava para voltar para casa: o perdão de seu pai por sua desobediência e o Imperador aceita escrever uma carta para pedi-lo.

Em 1996, Maria Quitéria foi reconhecida Patronesse do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Maria Quitéria foi uma das nossas primeiras heroínas e, embora haja pouco a se falar sobre ela, considerei importante lembra-la para manter sua memória viva. No próximo artigo, falaremos de um dos maiores heróis de nossa pátria. Aguardem.

Santo Condestável

Santo Condestável, Nuno Álvares Pereira (24 de junho de 1360, 1 de novembro de 1431)

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“Ditosa Pátria que tal filho teve”
Camões.

Início da vida

Filho ilegítimo de D. fr. Álvaro Gonçalves Pereira, cavaleiro dos Hospitalários, e de D. Iria Gonçalves do Carvalhal. D. Nuno Álvares Pereira cresceu na casa do seu pai até os treze anos. Foi lá que se iniciou “como bom cavalgante, torneador, justador e lançador”, e sobretudo onde ganhou gosto pela leitura (principalmente romances de cavalaria que valorizavam a pureza dos cavaleiros). Foi então para a corte de D. Fernando de Portugal onde, durante uma missão, foi armado cavaleiro pela rainha e tornou-se amigo do Mestre de Avis, D. João, futuro rei de Portugal.

O Condestável

Considerado o maior estrategista português, São Nuno venceu todas as batalhas que travou, mesmo quando comandava forças em número menor que o do inimigo. É um exemplo de um perfeito cavaleiro cristão, buscando a castidade, a caridade, e dando exemplo de fé antes, durante e depois das batalhas.
Com a morte do rei Dom Fernando de Portugal em 1383, a única herdeira era sua filha D. Beatriz, mas estando essa casada com o rei de Castela, Dom João I, os portugueses em entregar-lhe o trono e assim ser governado por um estrangeiro. D. Nuno e outros nobres então tomaram partido do Mestre de Avis e filho ilegítimo de D. Pedro I de Portugal, D. João. Logo (Abril de 1384) lhe foi entregue um cargo perigoso e com ele viria sua primeira grande vitória em Herdade dos Atoleiros, donde viria o nome da batalha. Escolhendo muito bem o terreno e dispondo as suas tropas com cuidado, conseguiu com seus 1500 homens a pé vencer o exército castelhano de 4000 homens a pé e 1000 cavalheiros. O combate durou apenas uma hora e, enquanto se fala em 600 baixas do lado castelhano, o lado português sofreu um número ínfimo de perdas – Uma curiosa versão fala que não houve perdas do lado português. Conta-se que no dia seguinte á Batalha, D. Nuno Álvares Pereira peregrinou para Assumar, descalço e a pé, em agradecimento pelo resultado do combate e para fazer oração a Santa Maria desta Vila, e lá ainda ajudou a limpar o esterco dos animais que os castelhanos abrigaram no santuário.¹
Tendo provado seu gênio militar, D. Nuno, em 1385, recebe o título de Condestável, a segunda personalidade na hierarquia militar, depois do rei.
Em 14 de Agosto de 1384 se deu sua maior vitória militar e decisiva para a independência portuguesa, a Batalha de Aljubarrota. O Santo Condestável também aqui só tinha à sua disposição uma fração do número do inimigo, eram 7000 do lado português e pelo menos 30.000 do lado castelhano, mas novamente foi capaz de vencer através da excelente escolha do terreno, preparação de armadilhas no solo e disposição das tropas. Tudo foi de tal forma bem feito que o lado português perdeu 1000 homens, enquanto no lado castelhano morreram 4000 em batalha e outros 5000 foram feitos prisioneiros. (Para mais detalhes)
Conta-se ainda que em outra batalha, a de Valverde, São Nuno se retirou para orar no momento mais crítico e se negou a voltar ao campo até terminar suas orações. Quanto terminou, voltou ao campo de batalha e conseguiu vencer de forma considerada milagrosa.
Sabia disciplinar suas tropas, mas mesmo assim essas a tinham como amigo. Também tinha a admiração de seus inimigos, e sempre mostrou respeito e caridade com estes: “cuidava dos prisioneiros e feridos. Não permitia que a sua gente inutilizasse aldeias nem searas. […] Certa vez, durante quatro meses, por ocasião de uma grande carestia, alimentou à sua custa quatrocentos castelhanos.”²
Dom Nunes ficou senhor de quase metade de Portugal, mas distribui boa parte de suas terras para seus companheiros de batalha, tornando esses companheiros vassalos direto do rei, pois este não queria que outros nobres tivessem vassalos. São Nuno também usou de suas riquezas para construir conventos e dar esmolas.

Vida religiosa

O desejo de Nuno Alváres era ser como o cavaleiro Galahad da Távola Redonda, que obtia sua força de sua castidade, mas por obediência a seu pai casou-se com uma rica viúva aos 16 anos. Após a morte de sua esposa, em 1387, negou-se a casar-se novamente, apesar do apelo dos amigos. Por fim, em 1422 e 1423, acabaria por abraçar a vida religiosa, sob clausura, abandonando seus bens e títulos.
Ainda quando condestável era muito devoto da Virgem Maria, e em honra a ela jejuava às quartas e às sextas, aos sábados e nas vigílias das suas festas. Assistia a Missa diariamente e no seu estandarte trazia a imagem do Crucificado, de Maria e dos cavaleiros S. Thiago e S. Jorge.
No convento adotou o nome de Frei Nuno de Santa Maria e se mostrou um humilde frade, penitente e caridoso. Usava o caldeirão do exército para fazer refeições para os pobres. Era seu desejo sair às ruas pedindo esmolas, mas o rei pediu, através de seu filho, que não o fizesse.
Em 1 de Abril de 1431, o Santo Condestável  falecia.
Em seu epitáfio podia-se encontrar a seguinte passagem:
“[…]As suas honras terrenas foram incontáveis, mas voltou-lhes as costas. Foi um grande Príncipe, mas fez-se humilde monge.[…]”

[1] Vida do Beato Nuno Alvares Pereira. Pe. Valério A. Cordeiro
[2]Nun’ Álvares, Condestável e Santo. António dos Reis Rodrigues.

Fontes:

Vida do Beato Nuno Alvares Pereira. Pe. Valério A. Cordeiro
Nun’ Álvares, Condestável e Santo. António dos Reis Rodrigues.
http://www.fundacao-aljubarrota.pt/?idc=24
http://www.fundacao-aljubarrota.pt/?idc=21#A_batalha
http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/2009/ns_lit_doc_20090426_nuno_po.html
http://www.snpcultura.org/pedras_angulares_nuno_santa_maria.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Nuno_%C3%81lvares_Pereira

Isabel de Castela, a Católica

Isabel de Castela (22 de abril de 1451- 26 de novembro de 1479)

Isabel de Castilla - Luis de Madrazo

Nascimento

Isabel nasceu em Castela, num reino dividido e numa Espanha fragmentada, enfrentou problemas dinásticos, problemas familiares, muçulmanos, e uma corte corrupta. À sua morte, legou não só uma Espanha unida e reconquista, mas uma Espanha que se espalhava para todos os cantos do mundo, o título de Reis Católicos para sua casa, e um grande exemplo de rainha e pessoa.

Isabel definitivamente honrou sua descendência, inclusive no – tão necessário atualmente – espírito cruzado. Tanto pelo lado materno quanto pelo materno, Isabel descendia de São Luis IX e São Fernando III, de Castela. Seu pai e seu meio-irmão, porém, não mostraram tanta retidão no reinar. Seu pai, João II de Castela, nunca foi reconhecido como uma figura forte, ao contrário, durante o seu governo quem exerceu de fato o poder por um longo tempo foi o ministro Álvaro de Luna. Seu irmão, Henrique IV, recebeu a alcunha de Impotente, o que já me priva da necessidade de apresentar qualquer argumento.

Educação

Tendo buscado o estudo do latim apenas na idade adulta, durante a infância Isabel estudou gramática, retórica, costura (habilidade que mais tarde desempenhará com maestria tanto em prol de seu marido como dos pobres), pintura, poesia (que ela amava), história e filosofia. Provavelmente ela teve um contato indireto com Aristóteles, apreciado em Salamanca através de Santo Tomás de Aquino. A princesa falava o castelhano musicalmente e escrevia com elegância. Por fim, deve-se considerar que a oração estava presente em sua vida desde pequena, fortalecendo seu carácter.

Com a idade, Isabel desenvolveu mais seus próprios gostos e assim se tornou habilidosa na equitação (gosto que se mostrará bastante útil para sua trajetória) e até na caça! Mas também apreciava conversar sobre filosofia, teologia e literatura.

Tentando manter a integridade durante as intrigas dinásticas

Com a morte de seu pai, seu meio-irmão Henrique IV acabou ascendendo ao trono, mas se mostrou incapaz de dar um descendente à coroa (sua alcunha realmente não era de graça) e quando finalmente nasceu Joana, esta não foi reconhecida como legítima e ficou conhecida desde cedo por ‘a Beltraneja’ pois sua paternidade foi atribuída a Beltrán de la Cueva. Numa tentativa de se legitimar Afonso, irmão de Isabel, como legítimo herdeiro do trono, iniciou-se uma guerra durante a qual o infante morreu com 15 anos incompletos.

Parte dos nobres, então, decidiram reconhecer Isabel como rainha, mas esta negou energeticamente. Apelaram argumentando que se Isabel não aceitasse o trono, todos os crimes que aconteciam sobre o governo de Afonso se tornariam parte culpa dela, pois ela poderia tomar o trono e tentar reerguer o reino, mas Isabel se mostrou inflexível: A usurpação da coroa seria um crime e outros crimes não podem ser uma justificativa moral para comete-lo. Isabel assegurou que não ia tomar o poder de forma inconstitucional, explicando que isso a desqualificaria para criticar quem depois se levantasse para fazer o mesmo. A argumentação dos nobres também lembrava que sua recusa colocava a todos em perigo, mas Isabel não buscava segurança e sim justiça.

Henrique IV tentou, de fato, muitas vezes se aproveitar de sua posição contra sua meia-irmã através de casamentos arranjados para seu proveito político. Mas Henrique também se mostrou impotente em seguir com essas empreitadas. Em alguns casos, porém, forças muito maiores pareciam atuar em seu desfavor: prometida a um casamento indesejável, Isabel orou para que este não se realizasse. O pretendente morreu de apendicite durante a viagem para encontrá-la. Parecendo ser Fernando de Aragão o melhor casamento para seu reino, a rainha negociou em segredo e também em segredo fugiu para contrair o matrimônio.

Com a morte de Henrique, Isabel ainda teve de enfrentar uma dura guerra contra os partidários de Joana, sua sobrinha. Nesta guerra sua inteligência militar foi essencial, abriu o caminho da capital para o inimigo de forma a ganhar tempo necessário para recrutar o povo, cujo apoio sabia possuir. Tanto era seu apoio que os clérigos, para conseguir dinheiro em sua causa na guerra, derreteram peças antiquíssimas de ouro e prata!

Reinado

 Várias foram suas conquistas durante seu reinado: Trouxe a paz à comunidade, reduzindo a terrível criminalidade e a tirania dos nobres através de reformas criminais como a instalação da Santa Irmandade; Instalação da Santa Inquisição; é conhecida por seu apoio a Colombo, bem como pela defesa de igualdade para com os súditos americanos; uniu definitivamente os reinos de Castela e Aragão através da Concórdia de Segóvia; e, por fim, incorporou o reino de Granada. Isabel encontrou um país quebrado, ainda teve que enfrentar guerras e, mesmo assim, reconstruiu o país, fazendo-o conhecer uma Era de Ouro.

Cruzada e sua participação

 Durante as campanhas, Isabel cuidava da retaguarda, do recrutamento de reforços, envio de alimentos e munições, e dos feridos. Mas não só na retaguarda marcou presença a rainha, Isabel também ia ao campo de batalha, donde, com sua presença, aumentava o vigor dos soldados. Até os inimigos a respeitavam. Durante o cerco de Baza, a presença da rainha foi decisiva da rendição, causando imediatamente a rendição do inimigo.

Em seu testamento a rainha exorta seus sucessores à conquista da África, projeto que ficou de lado em prol de interesses na América. A Rainha enxergava longe.

 

Fontes:

 http://www.newadvent.org/cathen/08177a.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Isabel_I_de_Castela

http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=E324E968-F714-7F28-2AC8BEF5B88BF868&mes=julho2004

https://rainhastragicas.com/2015/05/04/isabel-de-castela-uma-princesa-dentro-da-espanha-dos-cinco-reinos/

William Thomas Walsh, Isabella of Spain. London. 1931.

São Isidoro de Sevilha, Patrono do Sobre os Ombros de Gigantes

Santo Isidoro, bispo de Sevilha (560 – 636)

Pouco se sabe sobre sua vida, mas Isidoro ao menos viveu desde muito cedo em Sevilha, recebeu uma severa educação do seu irmão, o arcebispo de Sevilha, São Leandro (seus outros dois irmãos também são santos), a quem mais tarde sucederá no arcebispado. Sua educação consistiu no estudo do grego, hebraico e das artes liberais, mas seu conhecimento abrangia todas as áreas do conhecimento, sendo considerado o homem mais erudito do seu tempo. Sua erudição a serviço da comunidade e sua preocupação com a educação são as marcas de seu legado.

Frente ao domínio dos visigodos e a decadência das antigas instituições e tradições romanas, Isidoro se preocupou em salvar o bem-estar espiritual e material da nação, compreendendo que para isso seria necessário fundir o elemento estrangeiro às antigas tradições romanas. Para tanto, ele estudou a história dos visigodos, chegando a escrever um livro sobre o assunto. Os frutos dos seus esforços – e de sua família – já podem ser observados em sua própria época, como a erradicação da heresia do arianismo, que os visigodos até então acreditavam. Mais ainda, graças a sua influência, foi decretado que todos os bispos deveriam criar seminários em suas dioceses, dessa forma mantendo viva a tradição do mundo antigo com uma base educacional sólida. Os seminários deveriam seguir uma educação que o próprio Isidoro teve (grego, hebraico e artes liberais), mas ainda encorajava o estudo do Direito e da Medicina.

Sua maior obra é a Etimologias, uma compilação do saber do mundo antigo, considerando todas as áreas do conhecimento da época. São Bráulio, bispo de Saragoça, afirmou que esta obra possuía “praticamente tudo que é preciso saber”. E assim deve ter sido considerada por muito tempo, visto que continuo muito popular por nove séculos! Além de outras diversas obras, Isidoro também se dedicou a compilar biografias exemplares em seu “ De viris Illustribus” (sobre homens ilustres). Sua vida é assim uma considerável influência para este que vos fala principalmente para a criação deste blog.

Por fim, foi também um exemplo de caridade: Nos últimos seis meses de sua vida, é dito que durante todos os dias ele se dedicou totalmente em fazer atos de caridade (sua casa ficava lotada de pobres que ele auxiliava). À sua morte, deixou todos os seus  bens para os pobres.

(Imagem: Isidoro de Sevilha, de Bartolomé Esteban Murillo)

Obs.: Pode-se notar no quadro, dentre os livros representados, a Etimologias (em caracteres gregos).

Isidor von Sevilla

Sobre a origem do nome

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Janela  sul na Catedral de Chartres

Bernardo de Chartres, chanceler da escola de Chartres (morreu entre 1124 e 1130)

O primeiro grande nome da escola de Chartres no domínio da filosofia, seu pensamento nos é conhecido apenas através de João de Salisbury em seu Metalogicon. Segundo este, Bernardo de Chartres era “A fonte mais generosa nas Letras nos tempos modernos” e “o mais perfeito platônico do nosso século”.

No entanto, Bernardo era um gramático, o que na época era o professor de literatura latina clássica encarregado de cultivar também a consciência moral de seus alunos e que ele desempenhou excelentemente. Vejamos o que diz Éttiene Gilson sobre ele:

“Era um professor notável, preocupado mais em cultivar a inteligência e formar o gosto dos seus alunos do que em sobrecarregá-los com uma inútil erudição”.

Basicamente, representa muito bem o espírito de Sobre Os Ombros de Gigantes e, como mencionado rapidamente na Apresentação, é exatamente a ele que se atribui essa frase pelo próprio João de Salisbury.  A Catedral de Chartres, na França, traz uma imagem (acima) em uma de suas janelas que ecoa esse ilustre pensador representando os quatros profetas maiores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel carregando em seus ombros os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João).

Fonte: Éttiene Gilson, A Filosofia na Idade Média.