Sólon (Atenas, 638 a.C. – 558 a.C.)
Um pilar que se manteve firme num tempestuoso conflito de interesses entre os ricos proprietários da velha Atenas e os miseráveis endividados que ferviam na vontade de buscar a própria compensação, Sólon não pendia para qualquer lado e por isso ambos os lados se seguravam na integridade de seu carácter. Ele buscou educar os atenienses a moderar as influências individualistas e comunitaristas (considere a experiência espartana) que moldava seus vizinhos, conciliando a criatividade individual e a energia unificadora da pólis. Assim, Sólon se mostra essencial para qualquer um que busque também ser um pilar no mundo moderno entre os interesses liberais individualistas e a macabra ideologia comunista. E a resposta não poderia ser outra do que uma profunda experiência religiosa: o pilar que enxergamos em seus atos não é mais do que um reflexo de sua fortaleza interior, fundada na certeza de que esta vida é de tribulações e a alegria verdadeira não é alcançada durante nossa curta e imprevisível estadia neste mundo.
Sólon, no entanto, teve o grande exemplo de seu pai que, enquanto muitos nobres endividavam os pobres a ponto de cobrar os filhos destes como pagamento, empobreceu fazendo caridade. Desgostoso de aceitar ajuda dos amigos, lançou-se no comércio em sua juventude, e nas viagens adquiriu experiência e conhecimentos. Em uma de suas viagens, mais velho, conheceu o famoso rei Croisos como narrado na famosa História de Heródoto. Croisos era um dos mais ricos reis de sua época, e convidou o famoso sábio ateniense para mostrar-lhe sua riqueza, a reação, porém, não foi bem o que o rei esperava. Sólon, a princípio, mostrou a admiração que Croisos previa, mas quando o rei perguntou ao sábio quem era, então, o homem mais feliz sobre a terra, Sólon respondeu-lhe com um simples cidadão grego. Croisos, surpreso, perguntou então quem seguiria este cidadão na lista, convicto que a resposta era ele próprio, mas recebeu apenas o nome de mais dois cidadãos comuns (ele, por sinal, foi reconhecido por sempre estimar igualmente ricos e pobres). Indignado, o rei perdeu o interesse em Sólon, mas este explicou que o Destino é imprevisível e pode sumir com nossas riquezas a qualquer dia e, portanto, um homem não pode se dizer feliz até o dia de sua morte. Croisos, prestes a ser queimado, lembraria dessas palavras e do “homem com o qual eu gostaria que todos os tiranos conversassem, mesmo pagando grande fortuna para isso” e isto salvou sua vida.
Noutra vez, conheceu Tales de Mileto e quis saber porque este não buscava ter um filho. Tales não lhe respondeu de primeira, antes fez um estranho dizer que Sólon tinha perdido um filho, deixando-o naturalmente abalado. Tales então o consolou e explicou que o relato era falso, mas era para evitar este tipo de dor que ele não se casava nem tinha filhos. Se Croisos era soberbo, Tales foi covarde. Ambos os sábios conheciam a imprevisibilidade do destino, mas se Tales se rendeu ao medo, Sólon sempre resistiu buscando exercer suas responsabilidades de qualquer forma. Perante o fracasso dos justos e a vitória dos injustos, ele se perguntava se aquilo que sua razão não entendia não seria justificada aos olhos da divindade: a sabedoria do livro de Jó. Ao invés de se tornar pessimista, Sólon aprendeu a valorizar os prazeres e não se interessar pelo poder e ele provará esse desinteresse.
Na sua época, Atenas vivia sob as duras leis de Draco e num complicado conflito político entre classes (o privilégio de classe baseado no sangue, em Atenas, só seria abolido totalmente algum tempo depois, com Clístenes) onde os pobres se viam obrigados a vender suas terras e, por vezes, e até seus seus filhos para pagar suas dívidas, quando não fugiam da cidade, e os nobres não faziam concessões. Alguns nobres se solidarizariam com a causa daqueles e eram capazes de liderar um movimento sangrento contra o restante da nobreza, mas Sólon adiou e suavizou a implantação desse tipo de tirania pois, seu carácter sendo admirado por todos, o poder de Atenas foi entregue a ele por ambos os lados. Ele, contrariando o conselho de amigos, não aceitou tomar as rédeas do governo, mas se responsabilizou por criar leis que considerasse mais justas e apropriadas para o momento, a começar por proibir a venda do próprio corpo, ou do filho, como pagamento de dívidas, além de abolir todas as dívidas vigentes no momento. Outras contribuições importantes foi a suavização das punições das leis draconianas, e uma distribuição do poder político entre as classes, cada uma obtendo um determinado espaço para agir em prol de sua cidade. Aliás, suas leis – também seus poemas e sua própria vida – tinha como objetivo principal ensinar o povo ateniense a viver em comunidade tendo compaixão para com o próximo, e que assim obteriam para si mesmos mais satisfações do que através de desonestidades. Os atos ímpios eram sempre compensados cedo ou tarde, se o culpado não pagasse por eles, seus entes queridos pagariam, assim ele apelava para que os atenienses tomassem consciência da responsabilidade por suas ações.
Sendo muito difícil apresentar a grandiosidade de Sólon sem uma análise mais profunda de seu tempo, recomendo que busquem ler a Paideia de Werner Jaeger, ou ainda o primeiro livro da História de Heródoto para sentirem as adversidades que Croisos teve que passar para entender a mensagem de Sólon. Menos fácil de encontrar, mas muito interessante, é o capítulo que Plutarco trata de Sólon em suas biografias.
E para quem quiser checar logo alguns dos fragmentos de seus poemas:
http://demonax.info/doku.php?id=text:solon_poems
(Imagem: Croisos e Sólon, de Johann Georg Plazer)